Sabe aqueles pequenos episódios da vida que poderiam passar batidos mas, sem que tivéssemos aviso prévio, nos inspiram profundamente? Pois foi assim que, semana passada, recebi da escola dos meus filhos um pedaço de veludo preto e uma caixa de canutilhos (aqueles ornamentos para bordar roupas e acessórios de moda). A proposta era ajudar as crianças em um trabalho manual coletivo: bordar o bumba meu boi.

Logo de cara me vi completamente desafiada. Sou executiva e amazona experiente, mas deixei de lado o aprendizado de qualquer tipo de trabalho manual. Para meu conforto, no grupo de mães da escola, o desespero não era só meu. A lição de casa das crianças estava desafiando todas as mulheres, algumas inclusive, para solucionar a questão, pediram ajuda para as gerações anteriores e levaram o trabalho para a casa da avó.

Eis que então, no dia previsto para a entrega da atividade, surgiu o bordado do Eduardo. Um pai e não uma mãe, foi quem entregou o trabalho mais bonito e bem acabado. Foi ele quem sentou com o seu filho, sem nunca ter pego uma agulha nas mãos, e como em um projeto de engenharia fez todos os testes possíveis até encontrar o êxito.

E então me peguei questionando, mais uma vez, sobre o papel do feminino e do masculino em nossas vidas e sociedade, e como decidimos sufocá-los em caixinhas criadas para se adequar a nossos gêneros. Compreendo que cada um de nós, seres humanos, duais, somos resultado da integração dessas duas forças internas – a feminina e a masculina – e não apenas homens e mulheres.

Porém, na prática, observo o quão desintegradas elas estão dentro da gente e, por sua vez, o quão prejudicial isso se tornou. Criamos modelos mentais e uma série de crenças para moldar o que é “permitido” ou não para cada gênero, nos distanciando da beleza e profundidade que carregamos. Por que mesmo essa tarefa de trabalhos manuais foi automaticamente assumida pelas mães? Quantos outros pais ficaram instigados com esse projeto, mas talvez tenham guardado esse sentimento para si?

Venho compreendendo que o empoderamento feminino não é, nem pode ser, um movimento de mulheres. Ao meu ver é um empoderamento da humanidade, onde a energia feminina precisa ser acessada e honrada dentro de cada um de nós, homens e mulheres.

O bordado do Eduardo foi um dos pontos altos da minha semana. O amor pelo seu filho o fez ir além de qualquer estereótipo ou limitação. Ele somou a força de realização, concentração e criatividade masculina com a paciência e receptividade feminina e, sem nenhuma pretensão, entregou o bordado mais elaborado de toda a classe. Algo simples, eu sei, mas que como a maioria das coisas simples guarda em si os pequenos mistérios da alma, os grandes aprendizados da vida.

Flavia de Oliveira Ramos

Amazona de si