Você sabe quais são suas verdadeiras habilidades? Tem consciência das suas inabilidades? Tenho a impressão de que ambas aparecem logo cedo, quando ainda somos crianças e cada um, de forma singular, já dá seus primeiros sinais das áreas onde têm facilidade de se desenvolver e nas outras onde a coisa aperta. Ao meu ver, é justamente essa singularidade que trazemos conosco a semente do nosso propósito de vida. É ela que nos faz seres humanos únicos tecendo um mundo tão plural; que nos guia na jornada e nos move ao crescimento e desenvolvimento integral. Mas então, porque insistimos tanto em massificar o conhecimento e cobrar de nossas crianças (e adultos também) que desenvolvam os mesmos potenciais, na mesma idade, da mesma forma? Por que insistimos em dar nota para seus desempenhos?

Isso não só é injusto como ilusório. Nenhum de nós pode responder da mesma forma aos mesmos estímulos. Porém, em nosso sistema educacional (e em nossa sociedade), ainda insistimos em promover um conteúdo pronto, pasteurizado, sem nenhum olhar para o indivíduo. Somos treinados a nos moldar dentro do que precisa ser, causando, muitas vezes, danos irreversíveis à nossa essência. Somos adestrados e passamos a acreditar que nossas habilidades natas não possuem valor, já que em muitos casos, não se adequam ao exigido. Essa frustração, somada a dor de não ser bom o bastante para responder ao que é pedido, mina qualquer vestígio de autoconfiança e faz com que nos desviemos da rota do coração.

Meu filho mais velho, de apenas 6 anos, está sendo submetido ao processo de alfabetização e tem sido doloroso. As letras não são fáceis para ele. Ao mesmo tempo, noto claramente sua inteligência: espacial, musical, sua facilidade nas exatas. Comigo foi assim e igualmente difícil de atravessar. Ver ele passando por isso me remete à minha própria dor, frustração, vergonha. Não é fácil cuidar das nossas inabilidades, mas extremamente necessário. Acredito que só olhando para elas de frente, com coragem, é possível superar esses sentimentos e aceitar a beleza de quem somos, explorando e conectando ao máximo nossas áreas de talento, acessando nossa real potência, entregando ao mundo algo de valor.

No hipismo, como na vida, cada cavalo tem a sua singularidade a ser observada e respeitada, assim como seu tempo de amadurecimento. O cavaleiro, por sua vez, também traz seu pacote de pontos fortes e fracos, talentos e dificuldades, e é ele quem precisa encontrar um jeito de orquestrar esse conjunto. Onde o cavalo ainda não está maduro o suficiente ou apresenta menos habilidade, o cavaleiro assume e vice-versa. Um dá cobertura para o outro e juntos, somam forças.

Esse é um exercício e tanto a ser praticado em nossas relações, pessoais e profissionais. Um casamento precisa seguir essa dança, assim como um líder precisa aprender a orquestrar bem sua equipe. Cada integrante do time tem suas potências que precisam ser bem aproveitadas e suas fragilidades a serem acolhidas. Esse é um encontro de forças e fraquezas, de luz e de sombra e por isso mesmo, não é uma ciência exata. Quando as coisas dão certo?

Quando existe autoconhecimento, clareza de si próprio, e um tanto de humildade. Quando sei onde preciso atuar e quando preciso deixar o outro assumir. Quando não tenho receio de expor minha vulnerabilidade e posso ter compaixão pela nudez alheia. Quando sei quem sou e o medo não me impede mais de seguir em direção ao meu propósito.

Flávia de Oliveira Ramos

Amazona de si